sábado, 30 de dezembro de 2017
domingo, 24 de dezembro de 2017
O NATAL DE MARIA
Dona
Maria é destas que detestam o Natal.
Não
é ateia, Deus me livre!, nem comunista, porque Dona Maria gosta de seguir a
moda, e tudo isso é muito out. Pelo
contrário, é frequentadora assídua de uma igreja renovada e canta, com o coro gospel, todas as aleluias devidas à
festa da cristandade.
Mas
é que ser dizimista da referida igreja não é a única paga de Dona Maria para
chegar ao céu. Ela também mantém um emprego que lhe valerá – assim espera –
boas indulgências plenárias no purgatório, além de uma aposentadoria sem
sobressaltos: Dona Maria é secretária de executivo numa multinacional.
Vocês
lá sabem o que é isso? Vocês lá sabem o que é isso, no Natal?
Ninguém
sabe o que é isso, no Natal. Só Dona Maria.
Dezembro
é o mês em que todo o mundo quer chegar mais rápido, seja lá onde for a que
estiver indo. E, por uma incrível lei cósmica de reversão das forças, consegue
sempre chegar mais atrasado. Por outro lado, em fim de ano, todo o mundo quer
fechar os negócios que adiou durante os outros onze meses. Não sei se já
notaram, mas todas as reuniões do ano acontecem em dezembro. Dona Maria
notou. E anotou. Todas na agenda. E nas atas.
Além
de administrar o acúmulo de reuniões, ela precisa assinar todos aqueles cartões
natalinos da empresa – Lindos!, com uma estrela-guia brilhando em cima de uma
calculadora – e enviá-los a todos os clientes e fornecedores, agradecendo-lhes o
peru de Natal na mesa do presidente. Não pode esquecer de mandá-los, também,
aos inimigos e rivais. Para mostrar a nobreza de caráter que teremos que perder
de novo depois do Carnaval, quando os negócios serão retomados.
É
também Dona Maria quem escolhe os presentes. Até para os mais chegados do
patrão, porque homem não sabe fazer essas coisas. Se deixassem pra homem
comprar presente, o mercado de ações teria que sobreviver do comércio de meia e
perfume.
Para
comprar os presentes, Dona Maria tem que ter tudo anotadinho, junto com as inúmeras
cartas dos três filhos do patrão ao Papai Noel. Filho de rico pensa em presente
novo toda vez que vai ao shopping ou
assiste a capítulo novo da Malhação.
Daí, que é uma carta por semana e, se ela fosse Papai Noel, já estava de saco
cheio. Mas secretária pacata e prestimosa, Dona Maria lista todos os presentes,
faz pesquisa de mercado e compra tudo nas Lojas Americanas. O resto dos
parentes ela enche de bugigangas em oferta, que parente não é família, certo?
O
cuidado máximo precisa ser tomado com presente de mulher: de maneira nenhuma,
ela pode trocar o presente da esposa com o da amante. Sabem vocês o transtorno
que pode causar a esposa recebendo um baby-doll
vermelho e a amante uma centrífuga com um livro de sucos para dietas?
Mas
não é só isso. Dona Maria também é a responsável pelos enfeites natalinos da
seção, na empresa. É ela que visita as lojas apinhadas de alegres e saltitantes
décimos-terceiros salários. Escolhe papais-noéis, bolas coloridas e festões. Monta
o presépio e a árvore de Natal. Que precisa ser de plástico, por que a empresa
já tem outras complicações com o Ibama e não precisa de mais uma.
Faz
dois anos, o patrão resolveu colaborar com seu trabalho: dando-lhe mais um
pouco. Decidiu que o presépio podia ser democratizado, já que os lucros da
empresa não podiam ser. Então, a cada empregado da seção, a gerência deu o
poder de sugerir alguma coisa para “expandir” o cenário do sacrossanto natalício
e explodir a paciência de Dona Maria. Os que aproveitam o Natal para lembrar
que são pais e maridos agradam a esposa e os filhos delegando o poder de
colaborar com o presépio da abnegada secretária. Ano passado, tivemos um Menino
Jesus adorado por trinta anjos de crochê, cinco Ben-10 e oito Peppa Pigs.
Mas
não para por aí. Porque, depois do Natal, vêm as férias. E tudo tem que estar
milimetralmente planejado para o gozo da família. Marcar as férias das crianças
e da patroa até que não é difícil. Colônias de férias e cruzeiros com shows do Roberto Carlos são sempre
aliados nessas horas. O problema maior é garimpar um evento empresarial no
Caribe para justificar as férias com a amante.
Dona
Maria é uma santa.
Pois,
para culminar, Dona Maria é mulher. Pelo menos uma semana, em dezembro, ela vai
estar de TPM e vai ter que ouvir dos colegas insensíveis:
–
Ê, Dona Maria, cadê o espírito natalino?
Ao
que Dona Maria vai respirar fundo e sorrir placidamente, como uma criança na manjedoura.
Dona
Maria é verdadeiramente uma santa. Ainda que, para esta, não vá aparecer, na
noite de Natal, algum rei oferecendo ouro e mirra, convidando pra um drinque,
pra missa do galo, pra provar uma rabanada...
Em
casa, sozinha, antes da ceia, Dona Maria vai abrir o cartão que acompanha a
cesta de Natal, generosamente oferecida pelo patrão. E ler a mensagem que ela
mesma assinou pelo chefe: “A você, membro desta grande e unida família que é a
nossa empresa, um Feliz Natal do ...!”.
Delicadamente,
Dona Maria vai pendurar o cartão na árvore enfeitada, ao lado de um anjinho de
crochê que sobrou do presépio. E erguer um brinde aliviado pela passagem do
Natal.
Brinde
que vai durar um par de horas e as três garrafas de vinho barato da cesta natalina.
O
galo vai cantar. O menino vai nascer. O coro gospel vai esgoelar um “Gloria in excelsis Deo” com a banda funk. E Dona Maria nem vai notar.
Não
acordem ela, não. Dona Maria precisa descansar, pra segunda-feira desmontar o presépio
e responder os votos de boas festas.
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