sábado, 18 de novembro de 2017

O BRASIL DO SÉCULO DEZENOVE

A professora pediu trabalho sobre o Brasil do Século Dezenove.
Joãozinho conhecia um cara que conhecia outro cara, que sabia de um cara no Google, chamado Wikipedia, que sabia tudo sobre o assunto. Resolveu se socorrer com o submundo.
E até o Joãozinho, que é campeão no GTA 5, ficou horrorizado com o Brasil que descobriu.
Os brasileiros, no Brasil do Século Dezenove, amargavam uma vida bem primitiva.
O país era dominado por uma elite de barões e coronéis. Eles diziam o que se devia e o que não se devia fazer. Tomavam decisões arbitrárias. Promulgavam leis autoritárias e injustas. Aliavam-se para conspirar contra o resto da população. E, se o povo protestasse, mandavam a polícia pra cima. Batiam, prendiam. E até matavam.
Isso, no Brasil do Século Dezenove.
Essa gente que mandava era também mandada. O povo, no Brasil do Século Dezenove, trabalhava para encher de dinheiro os bolsos de outro povo folgado, lá de fora. O Brasil do Século Dezenove só plantava o que os gringos mandavam. Em vez de plantar comida para o povo, desmatava tudo, pra plantar grama pra boi e roça de grão pra exportar pros estranjas.
Assalariados, no Brasil do Século Dezenove, entregavam sua vida aos caprichos do patrão. Feito escravo da Roma de César. Sem lei trabalhista pra proteger dos desmandos.
No Brasil do Século Dezenove – coisa feia! – os doentes morriam, sem atendimento. Faltava hospital. Quando tinha hospital, faltava médico. Quando tinha médico, faltava band-aid. E tinha epidemia à beça! A população pobre era dizimada por pragas tropicais, transmitidas por mosquitos.
Aliás, os pobres, quase todos negros, eram expulsos do centro da cidade, zona de convívio da “gente de bem” (na língua do Brasil do Século Dezenove, ainda tinha gente que falava “gente de bem”), porque enfeavam as ruas candidatas à Champs-Elysées. (Mas mentem os historiadores que contam que os mendigos eram expulsos com jatos de água fria. O Brasil do Século Dezenove era atrasado, não era bárbaro.)
Os negros, esses eram ainda obrigados a viver todos amontoados, em lugares sujos, longe da casa dos ricos. E os que se diziam cristãos achavam que a religião daqueles outros era coisa de gente doente, pobre de espírito e adoradora do Satanás.
Tinha gente, no Brasil do Século Dezenove, que defendia soluções de conflitos jurídicos na bala. Problemas de convívio? Dá uma pistola pra cada um, e que resolvam no duelo!
E a política, então! No Brasil do Século Dezenove, um cidadão dormia Liberal e acordava Conservador. No governo seguinte, fazia tudo ao contrário. Pensa que era que nem hoje? Vai achar candidato em quem votar, no Brasil do Século Dezenove!
No Brasil do Século Dezenove, políticos davam golpes e usurpavam o poder; juízes sentenciavam defendendo seus próprios interesses, contra as necessidades da nação; parlamentares recebiam propina para legislar contra o povo. Coisa de indignar a moral ilibada do Aécio.
– Ainda bem que nasci em outro século! – suspirou um Joãozinho aliviado.
E até fez bullying contra o colega Luizinho, que vive sonhando com uma máquina do tempo pra voltar pro passado.
– Moleque burro! Larga essa ficção científica!
E toma-lhe um safanão, pra deixar de ser besta.

sábado, 11 de novembro de 2017

GRADUANDO EM HOLLYWOOD

E, falando em cinema, vida de estudante é a Anatomia de Grey: quando a gente acha que a personagem encontrou a felicidade e a série, finalmente, vai terminar, vem mais uma temporada de sofrência.
Nem terminamos de argumentar que surdo é problema de pedagogo e já temos outro perrengue com que nos preocupar: depois de entrar na faculdade, como sair dela?
Tudo seria mais fácil, se a universidade fosse em Hollywood. E muitos de nossos alunos acham que é. As únicas referências que levam para a vida escolar vêm de American pie e A casa das coelhinhas e só conhecem o adjetivo “universitário” porque, no Brasil, ele acompanha o substantivo “sertanejo”. Por isso, passam quatro ou cinco anos em cachaçada de calouro e o resto da vida na ressaca, reclamando que “a faculdade não ensinou nada”. Como não? Já viu um formando de faculdade brasileira desconhecer a receita de uma boa porradinha? E não se veste uma beca nem se faz juramento, sem mostrar excelência num macarrão com salsicha. Ah, isso não!
Se a vida fosse um churrasco, nossos graduados ensinariam ao mundo como bem usar isso a que chamam razão humana. Pois aprendemos bem a lição: se os norte-americanos nos souberam vender seu way of life, foi na propaganda de uma universidade. Tanto, que nos esforçamos para fazer dos nossos campi um acampamento de férias.
Universidade de cinema nunca tem aula. Mesmo porque não tem sala de aula. Só tem corredores, refeitórios e irmandades. Aluno de universidade hollywoodiana só se ocupa em duas atividades: ou está garimpando sexo ou vomitando o excesso de natu nobilis. Na universidade de cinema, sempre é fim de semana ou hora do recreio. E os brasileiros que aprendem cultura universitária nas matinês pensam que Stanford e Columbia são Hogwarts e High School Music. E pensam que ler duas letras gregas no nome de uma irmandade já faz merecer um PhD em Homero.
Apenas desconfio que esse way of life só pegou no Brasil. Vamos lá: alguém consegue, seriamente, imaginar um estudante da Princeton University preenchendo sua matriz curricular com atividades semanais de coleta em semáforo para financiar cerveja na faixa?
Pode ser. Mas também pode ser que, enquanto a gente mata alguns milhares de neurônios em outra calourada (que faculdade brasileira recebe calouro todo fim de semana), um economista em Harvard descobre uma nova fórmula para dobrar os lucros no mercado de entretenimento.
Na dúvida, minha recomendação continua sendo: se o camarada procura, na universidade, só um lugar para encher o caneco e azarar patricinha, ingresso de feijoada da Anitta sai mais barato.
E a ressaca dura menos.

sábado, 4 de novembro de 2017

VOCAÇÕES E OPINIÕES

Aristarco tem sua opinião. Ele acha que a ciência deveria ser proibida, porque pode corromper a moral. Ciência não é para qualquer um. O governo deveria separar as pessoas. Só aquelas que têm dinheiro para comprar livros é que deveriam estudar. Aristarco quer ser professor.
Cersei tem sua opinião. Ela acha que um líder tem que ser inescrupuloso. Ninguém ergue um império consultando ágoras. Seus modelos e mentores são Stálin, Pinochet e Átila, o Huno. Além disso, um líder só deve ter compromisso consigo mesmo. Não importa que alguns milhares de gentes tenham que morrer. O importante é o equilíbrio no balancete final. Cersei quer ser administradora de empresas.
Merival tem sua opinião. Ele acha que deveria haver leis diferentes para ricos e pobres. Afinal, todos sabem que quem tem dinheiro é que manda no país. Então, deve ser tratado melhor do que aquele que não tem. Além disso, é favorável ao pagamento de propina a juízes, advogados e promotores, pois o dinheiro pode agilizar os processos judiciais. Merival quer fazer uma faculdade de Direito e ser juiz de comarca.
Patel tem sua opinião. Ele acha que saúde deve ser um luxo para poucos. Tratamento hospitalar é caro, e o governo não pode desperdiçar o erário público, pagando medicamento e cirurgia para todo o mundo. Afinal, todos vão morrer um dia. E é preciso escolher quem salvar. Que sejam aqueles que podem pagar e colaboram com o sistema, em vez de se aproveitar dele. Patel quer ser médico.
Louise tem sua opinião. Ela acha que tem muita gente doente no mundo. Maconheiro, bicha, lésbica. Macumbeiro, então! Isso nem é religião. É coisa do diabo. Essa gente precisa é de terapia. E internação. Lugar de louco é no hospício e não no meio de gente normal. De preferência, com lobotomia, grades bem fortes e camisa-de-força. Louise quer ser psicóloga.
Adolf tem sua opinião. Ele acha que algumas raças e grupos humanos deveriam ser exterminados, pois só atrapalham a evolução do processo civilizatório. Defende o direito de o governo esterilizar negros, favelados, judeus e árabes, para livrar o planeta do mal que impede um mundo perfeito. Adolf quer ser engenheiro geneticista.
Kane tem sua opinião. Ele defende, para toda pessoa, o direito de ofender quem quiser, sem ter que ser punida por isso. Quem não gosta de ser agredido, que tape os ouvidos. O que importa é o direito de expressão do indivíduo. Mas, e se a pessoa estiver mentindo? E se o caluniado tiver a vida destruída por causa de uma difamação irresponsável? Não é problema dela. A vítima que se defenda. Kane quer ser jornalista.
Aristarco, Cersei, Merival, Patel, Louise, Adolf e Kane vão prestar vestibular. Mostrar que merecem ter um diploma para atender a sociedade. Afinal, eles sabem usar elementos linguísticos de coesão e citam Olavo de Carvalho para demonstrar que articulam áreas de conhecimento.
O resto não interessa. É só liberdade de expressão. 

RINGUE ELEITORAL

Um amigo confessou-me certo “cansaço eleitoreiro”. Disse que não aguenta mais escolher candidato como quem vai ao supermercado. – Parece...