Serão azuis, como os do pai? Negros,
como os da mãe?
Os olhinhos, ainda cerrados, do bebê
criavam expectativas. Fizeram um bolão. Estudaram genomas e linhagens. Às
vezes, eles herdam dos avós, notou alguém, que tinha estudado genética nos
programas do Fantástico.
A despeito, porém, de toda a ciência de
Fantásticos e Globos Repórteres, ninguém previu aquilo: quando a criança ergueu
as pálpebras, o que viram, foram uns estranhos e encantadores olhos de violetas
orvalhadas no outono. Para a aflição dos pais e da cultura de massas, algum
gene mutante queria fazer poesia com o bebê. Mas ninguém pensou em poesia.
– É coisa do seu sangue ruim!, gritou a
mãe ao marido.
Deram importância. Podia ser um tipo de
cegueira! Afinal, quem é que consegue ver como se deve, com olhos tão artistas?
Consultório de oftalmologia. A visão do
menino é perfeita, desmentiu o médico. Não pode ser. Não acreditaram. Alguma coisa
tinha de estar errada.
Veio o padre. O pastor. A benzedeira. O
médium. A mãe-de-santo. Expulsaram demônios e encostos. Mediram aura.
Consultaram almas. Nada. As violetas orvalhadas no outono fitavam, curiosinhas
e indevassáveis, o fogo das velas, as cores dos búzios e miçangas, as gotinhas
de água benta pintando arco de cores sobre as íris do berço. E sorriam,
divertidas e desafiantes.
Afinal, elas tinham permanecido nove
meses na escuridão. Adivinhando as cores do mundo somente pelas vibrações dos
nervos da mãe, pelo sangue emocionado da mãe. O máximo de luz bebida na retina era
aquela monotonia bege de vestido de madrinha de casamento. Queriam, agora,
todas as cores, em todos os tons: verdes, azuis, amarelos; amarelo-siciliano,
azul-serenity, verde-rúcula. O cardápio inteiro de um decorador de interiores,
que os anjos sem sexo usaram para pintar a Criação. Que os outros vissem como
os outros. Estes olhos de violetas orvalhadas no outono queriam os olhos de
Monet. Que também nasceu com uma anomalia genética. Olhos com defeito. Não viam
do jeito certo. Naqueles idos dos novecentos, nenhum cientista pôde prever a
doença. E não puderam curar Monet. E Monet pintou quadros errados. Para nossa
alegria e nosso prazer.
Quadros que só uns olhos de violetas
orvalhadas no outono poderiam entender.
Infelizmente, já temos cura para
eles.
Uau! Infelizmente há cura, pra aquilo que não se segura, pra pintura que passa do traço, há cura pra doença da alma, aquela que chamam vezes de insana, de covarde, de fraca e irregular, pegam a moral, pegam alguns fármacos, não deixam de lado o julgamento do bem visto, misturam tudo é olha lá! Tá pronto o coquetel, que mata saudades, mata amores, mata angústias e mata o que o ser humano tem de mais bonito, os sentimentos.
ResponderExcluirQuase me curaram...mas a doença reagiu e está mais forte do que nunca :) <3
ResponderExcluirQue alegria poder "ler você" novamente Santi...
Hehehe, a gente não tem cura. Pra sorte nossa. ;)
Excluir"Tem gente que nasce poesia."(Manoel de Barros)
ResponderExcluir!!!!
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