domingo, 22 de outubro de 2017

BARBARINA, A NOSTÁLGICA

Quando a mãe de Barbarina, a Nostálgica, pariu a única filha, deu ao mundo mais uma coletora de sementes. Quando o que faltava, ao clã de neandertais, era outro homem masculino para repor o contingente guerreiro perdido para um dente-de-sabre. O patriarca da horda lamentou outra mulher inútil a atulhar a caverna já superlotada de trogloditas. Decretou:
– Uga uga!
E cumpriu-se a lei: Barbarina, a Nostálgica, se casaria com um soldado raso da tribo do norte, que tinha mais carne de mamute para alimentar boca inútil. Chegadas as núpcias, o noivo sequestrou Barbarina, a Nostálgica, e a arrastou pelos cabelos para se tornar mãe de muitos filhos. Porque carne de mamute, como todos sabiam, engravida.
Mais tarde, Barbarina, a Nostálgica, foi vendida a um pastor hebreu, por duas dúzias de cabritos. E lhe deu muitos filhos. Porque leite de cabra, como todos sabiam, engravida.
Um tal de Jacó prometeu terra de leite e mel no Egito. Barbarina perguntou se era leite de cabra.
– Vaca, garantiu aquele Jacó.
E Barbarina, a Nostálgica, foi plantar papiro nas lamas do Nilo. A lei do faraó deixava Barbarina cuidar dos negócios, junto do marido. Mas Barbarina teve muitos filhos do camponês egípcio. E precisava cuidar da cria. Porque a lama do Egito, como todos sabiam, engravida.
Do outro lado do Mediterrâneo, uns gregos inventaram uma tal de democracia, que, séculos mais tarde, do outro lado do Atlântico, ninguém sabia mais o que era. Mas, ali, Barbarina, a Nostálgica, ouviu dizer que as pessoas eram livres. O marido era. E obrigou Barbarina a fiar um tapete, enquanto ele jogava pelada com um time troiano nas praias de Ílion. Quando o arruaceiro voltou, Barbarina, a Nostálgica, fez greve de sexo. Apanhou do marido e teve outro filho. Porque, na Grécia, como todos sabiam, sexo engravida.
Veio a Idade Média e Barbarina, a Nostálgica, foi decapitada por não dar filhos ao seu esposo e rei. Em seguida, foi queimada por tomar chá de boldo, depois de uma ressaca. Quando todos sabiam que indigestão se cura com treze padre-nossos e vinte-e-duas ave-marias. E chá de boldo, como todos também sabiam, não engravida. Só novena a Santo Antônio.
Século das Luzes. Barbarina, a Nostálgica, protegida pelas leis do liberalismo inglês, também quis iluminar-se. Sair da menoridade kantiana.
Pediu mesada ao pai.
– Só casando, retrucou o respeitável e puritano genitor.
Barbarina sabia, como todos sabiam, que casamento engravida. Então, esperou o irmão macho herdar a fortuna da família. Pediu parte na herança.
– Só casando, retrucou o respeitável e puritano filho de seu pai.
Barbarina, a Nostálgica, tentou emprego. Mas não tinham lhe ensinado profissão. Foi limpar a casa de um respeitável e puritano herdeiro. Pediu salário.
– Só depois dos vinte e um anos. É a lei.
Barbarina, que era nostálgica, mas ainda não era burra, resignou-se e casou com seu dono. E teve muitos filhos. Mas os filhos não eram seus, eram do patrão. Era a lei. Tentou pedir o divórcio, para não fazer mais filho de outros. Mas Barbarina, como qualquer mulher, não podia pedir divórcio. Era só o que faltava!
Hoje, Barbarina, a Nostálgica, é executiva numa multinacional e carrega camisinhas na carteira. Nunca se sabe. Tem planos para outra faculdade, talvez uma carreira diplomática, ou a presidência da República.
Seria feliz, se não fossem esses tempos tão anárquicos. Tudo muito liberal. O mundo parece perdeu os limites.
– Bom era o meu tempo, reclama Barbarina, a Nostálgica.
Felizmente, desde o século dezenove, quando foi presa por defender o sufrágio universal, Barbarina pode votar. E já decidiu seu voto para o candidato que denuncia a corrupção dos valores da civilização e diz que não estupra mulher que não é gostosa.
No último aniversário, uma enrugada Barbarina sopra alguns séculos de velas no bolo e suspira, nostálgica:
– Uga, uga...

5 comentários:

  1. Esta outra Barbarina, ainda que muito bem preparada, precisou virar "professorinha" e até que está feliz!

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    1. Huahuahuahuahua!!!! Cada Barbarina encontra seu caminho e sua liberdade. O importante é bem honrá-la. O que você faz com louvor. Beijo! Saudade!

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  2. Barbarina continua nostálgica nos dias de hoje?! Rsrs

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    1. Ai, ai... Essa é a pior parte, rsrsrsrs. Abraço saudoso, irmão!

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