Quando a mãe de Barbarina, a
Nostálgica, pariu a única filha, deu ao mundo mais uma coletora de sementes.
Quando o que faltava, ao clã de neandertais,
era outro homem masculino para repor o contingente guerreiro perdido para um
dente-de-sabre. O patriarca da horda lamentou outra mulher inútil a atulhar a
caverna já superlotada de trogloditas. Decretou:
– Uga uga!
E cumpriu-se a lei: Barbarina, a Nostálgica,
se casaria com um soldado raso da tribo do norte, que tinha mais carne de
mamute para alimentar boca inútil. Chegadas as núpcias, o noivo sequestrou
Barbarina, a Nostálgica, e a arrastou pelos cabelos para se tornar mãe de muitos filhos. Porque carne de
mamute, como todos sabiam, engravida.
Mais tarde, Barbarina, a Nostálgica,
foi vendida a um pastor hebreu, por duas dúzias de cabritos. E lhe deu muitos
filhos. Porque leite de cabra, como todos sabiam, engravida.
Um tal de Jacó prometeu terra de leite
e mel no Egito. Barbarina perguntou se era leite de cabra.
– Vaca, garantiu aquele Jacó.
E Barbarina, a Nostálgica, foi plantar
papiro nas lamas do Nilo. A lei do faraó deixava Barbarina cuidar dos negócios,
junto do marido. Mas Barbarina teve muitos filhos do camponês egípcio. E precisava
cuidar da cria. Porque a lama do Egito, como todos sabiam, engravida.
Do outro lado do Mediterrâneo, uns
gregos inventaram uma tal de democracia, que, séculos mais tarde, do outro lado
do Atlântico, ninguém sabia mais o que era. Mas, ali, Barbarina, a Nostálgica, ouviu
dizer que as pessoas eram livres. O marido era. E obrigou Barbarina a fiar um
tapete, enquanto ele jogava pelada com um time troiano nas praias de Ílion. Quando
o arruaceiro voltou, Barbarina, a Nostálgica, fez greve de sexo. Apanhou do
marido e teve outro filho. Porque, na Grécia, como todos sabiam, sexo
engravida.
Veio a Idade Média e Barbarina, a
Nostálgica, foi decapitada por não dar filhos ao seu esposo e rei. Em seguida,
foi queimada por tomar chá de boldo, depois de uma ressaca. Quando todos sabiam
que indigestão se cura com treze padre-nossos e vinte-e-duas ave-marias. E chá de
boldo, como todos também sabiam, não engravida. Só novena a Santo Antônio.
Século das Luzes. Barbarina, a
Nostálgica, protegida pelas leis do liberalismo inglês, também quis
iluminar-se. Sair da menoridade kantiana.
Pediu mesada ao pai.
– Só casando, retrucou o respeitável e
puritano genitor.
Barbarina sabia, como todos sabiam, que
casamento engravida. Então, esperou o irmão macho herdar a fortuna da família. Pediu
parte na herança.
– Só casando, retrucou o respeitável e
puritano filho de seu pai.
Barbarina, a Nostálgica, tentou
emprego. Mas não tinham lhe ensinado profissão. Foi limpar a casa de um
respeitável e puritano herdeiro. Pediu salário.
– Só depois dos vinte e um anos. É a
lei.
Barbarina, que era nostálgica, mas
ainda não era burra, resignou-se e casou com seu dono. E teve muitos filhos. Mas os
filhos não eram seus, eram do patrão. Era a lei. Tentou pedir o divórcio, para
não fazer mais filho de outros. Mas Barbarina, como qualquer mulher, não podia
pedir divórcio. Era só o que faltava!
Hoje, Barbarina, a Nostálgica, é executiva
numa multinacional e carrega camisinhas na carteira. Nunca se sabe. Tem planos
para outra faculdade, talvez uma carreira diplomática, ou a presidência da República.
Seria feliz, se não fossem esses tempos
tão anárquicos. Tudo muito liberal. O mundo parece perdeu os limites.
– Bom era o meu tempo, reclama Barbarina,
a Nostálgica.
Felizmente, desde o século dezenove, quando
foi presa por defender o sufrágio universal, Barbarina pode votar. E já decidiu
seu voto para o candidato que denuncia a corrupção dos valores da civilização e
diz que não estupra mulher que não é gostosa.
No último aniversário, uma enrugada Barbarina
sopra alguns séculos de velas no bolo e suspira, nostálgica:
– Uga, uga...
Esta outra Barbarina, ainda que muito bem preparada, precisou virar "professorinha" e até que está feliz!
ResponderExcluirHuahuahuahuahua!!!! Cada Barbarina encontra seu caminho e sua liberdade. O importante é bem honrá-la. O que você faz com louvor. Beijo! Saudade!
ExcluirBarbarina continua nostálgica nos dias de hoje?! Rsrs
ResponderExcluirAi, ai... Essa é a pior parte, rsrsrsrs. Abraço saudoso, irmão!
ExcluirPelo menos eu vou votar no Ciro...rs
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