Era no tempo do rei.
Súditos divertiam-se, a discutir
governabilidade: César precisava de um novo aliado religioso, para manter o
império. O olímpico Júpiter tinha outro ataque da próstata e pleiteava uma aposentadoria
por invalidez. Se o imperador não agisse rápido, ia perder o próximo pleito
eleitoral.
Não se faz política sem recursos do
Além, aconselhava o sábio Virgílio, lembrando, em doze cantos decassílabos,
que, para fundar Roma, até o ilustre Eneias tinha descido ao inferno.
Se é esse o preço, suspira o imperador,
vamos lá, consultar os demônios.
E convoca o congresso.
Roma.
Um palácio de colunas sinuosas,
rodeado por um lago e vinte e cinco Estados.
Senadores e deputados agrupam-se em
bancadas. Cada qual com um lobista divinal, para defender sua igreja: Osíris, Brahma,
Jeová, Richard Dawkins. Vêm, todos, com oferendas ao Grande César, que deve
escolher uma religião para abençoar o seu Estado laico. (Fosse do seu gosto,
adotaria Alá, para honrar ancestrais do Oriente. Mas o Corão ainda não foi
escrito. Vamos a outros candidatos.)
O tratado é redigido pelos melhores
contratualistas do reino: o primo e o cunhado de César. Um querubim proclama o
documento: ao contratante, Lulio César, o deus contratado concede prestígio,
fiéis para as urnas e cargo vitalício pós-vitalício; em contrapartida, o
contratado e sua igreja (a preencher na linha pontilhada) gozam anistia na
tributação.
Licitação aberta. Começam as ofertas e
negociações.
E começam mal, pensa César, erguendo, entre
o polegar e o mindinho, o sutra oferecido por Buda.
– Ó Grande César, eu lhe ofereço a
salvação pela renúncia.
“Golpista!”
Exu estranha, mais tarde, o
desaparecimento do Buda. O querubim cochicha:
– Acho que vi o venerável empurrado,
para os fundos, por dois homens de óculos escuros.
O rival Vishnu não comparece.
– Alegou déficits no PIB cármico, informa
o querubim, consultando um tablet. Mas
enviou um avatar.
César lê o “Krishna” no crachá. Torce o
nariz. Mandar subordinados para uma negociação dessas! Que desfeita!
Ao contrário, para juntar forças, Javé
e Jesus reuniram-se numa holding
familiar.
– Com a fusão, dobrou o número de
eleit... digo, fiéis, explica o querubim.
Candidatos fortes! Não fosse o perigo
de parecer favorável ao nepotismo, avisam o primo e o cunhado de César.
Tupã oferece um cocar e artesanato de
pena e argila. César retribui o mimo com um espelhinho.
Odin rege um espetáculo pirotécnico de
relâmpagos e trovões, que impressiona favoravelmente o exército e a indústria
armamentista.
Iemanjá, em oposição, oferece amor e
paz aos homens de boa vontade. O querubim cutuca César, e riem, divertidos:
– Ah, mulheres...
O nobre César já se vê em túnicas
curtas para escolher um patrono celestial. Quando avisam da chegada de um
atrasado.
Entra um homem de terno escuro. Chapéu escuro.
Mala escura. O querubim adivinha a cor dos pensamentos.
O homem ensombrado põe a mala sobre a
mesa. Abre. Nunca ninguém viu tantos dólares. Afinal, em Roma, fiéis sempre pagam
dízimo em reais.
– Dou por encerrada a sessão, nobres
colegas. Já temos um vencedor.
O Estado é laico, mas a propina é
sagrada, cochicha, doutamente, o querubim. E encerra a sessão.
César e o vencedor deixam a assembleia.
Precisam ajustar comícios e sermões.
Na saída do ensombrado, fica, de rasto,
um cheiro de enxofre. As damas abanam leques. Arcanjos tapam o nariz. Todos
encaram o querubim.
– Calma, aí, gente! Essa, eu juro que
não fui eu!
Vontade de dormir com esse blog na cabeceira! Hehehe
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