sexta-feira, 16 de março de 2018

segunda-feira, 12 de março de 2018

A MUSA CORRUPTA - Clio

Conforme o nome grego anuncia, Clio é "a que torna os homens famosos", a que celebra os grandes feitos de um povo e de seus heróis. Por isso, é a musa da História e, na iconografia, é apresentada carregando um livro da História de Tucídides, principal historiador grego, depois de Heródoto.

quarta-feira, 7 de março de 2018

O CÂNONE


Preciso de minha cabeça para rejeitar ou assentir, minha mão para saudar ou fechar em punho, meus pulmões para gritar ou sussurrar. Não irei gentilmente para uma prateleira, eviscerado, para me tornar um não livro. (Ray Bradbury, Fahrenheit 451)

Reunião de professores.
A escola tinha ganhado uma biblioteca. Era só uma estante. Mas com a promessa de se tornar uma Alexandria. A diretora precisava preencher o vazio das prateleiras e das cabeças dos meninos. Não queria decidir sozinha os títulos a encomendar da livraria. Aprendeu, no curso de gestão escolar, que um bom gestor sempre consulta seus subordinados (que o curso chamava de “pares”). Ela era uma democrata. Ai de quem discordasse!
– Então, meus colegas. Precisamos fazer uma lista de livros que enobreçam o caráter dos nossos alunos e incentivem a leitura na juventude. Preciso de sugestões.
A professora de Literatura foi a primeira a erguer a mão.
– Obviamente, vamos começar com os clássicos brasileiros. Machado de Assis é unanimidade.
– Aquele do livro de adultério? – replicou, perplexa, uma unanimidade.
– Você deve estar falando do Dom Casmurro.
– Esse mesmo!
– Machista! Chama a mulher de dissimulada! – protestou uma feminista.
– Feminazi! Incentiva a mulher ao adultério! – protestou um machista.
– Tá. Esquece o Machado. Melhor os românticos. Sentimento. Inocência. Pureza. Iracema? – tentou, ainda uma vez, a professora.
– Incentivo à sedução e ao estupro! – gritou um segundo.
– Exaltação do colonizador! – bradou um terceiro.
E vieram ainda os quartos e quintos:
– E essa coisa de muito índio, muita gente pelada na mão de menino... Não dá. Incentiva a pedofilia. Temos que proteger nossas crianças.
– Além disso, Alencar é racista! Trata o índio como um subalterno.
– Castro Alves também. Exemplo do paternalismo branco, falando em nome do negro.
– E, depois, todo o mundo sabe que cinema e livro de brasileiro só mostra pornografia – argumentou o colega que se orgulhava de nunca ter visto um filme ou lido um livro dessa gente tupiniquim. – Esqueçam os brasileiros. Vamos pegar livro estrangeiro. Os gregos! Essa coisa velha da Europa deve ser boa. Senão, não durava tanto.
– Tosse, tosse – um velhote engasgou-se com o pão de queijo murcho. – Como é que é? Uma Medeia que mata os filhos pra se vingar do marido adúltero? Um Édipo que mata o pai pra comer a mãe? Onde já se viu pôr uma porcaria dessas nas cândidas mãos dos nossos jovens? Devia ser tudo proibido, isso, sim.
– Pensei em coisa mais educativa. Tipo aquela história de Troia, com o Brad Pitt.
– Um homem se traveste de mulher e depois vai pra guerra, vingar a morte do amante. É isso que vocês querem para nossas crianças? Propaganda de ideologia de gênero? Olha só o que Homero fez com aqueles gregos. Dizem que era tudo bi. Uma pouca vergonha!
– Então, vamos pegar livro de religião – sugeriu uma mocinha de fala mansa. – Aquele do italiano. Qual é mesmo?
A divina comédia?
– Ela falou “livro de religião”. Não acho legal dar livro de comédia pra juventude. Rir é imoral. Por isso, ninguém leva mais nada a sério.
– Mas é de religião...
– É de religião, sim! E do tipo pervertido! – protestou o colega espírita.  De jeito nenhum! Isso é pura propaganda da igreja católica. Temos que garantir a diversidade religiosa.
– E o Shakespeare? Gosto dos memes dele no Facebook.
– São bons, mesmo. E Romeu e Julieta encanta todo o mundo.
– É, encanta, sim! – indignou-se aquela professora, que, em vez dos livros, preferia ver os Cinquenta tons de cinza, mais escuros e liberdade no cinema. – Por isso, tem tanta menina grávida. É de ficar lendo esse lixo que promove o sexo entre adolescentes.
– Também acho. Melhor pegar livro de heróis e gente de valor. Eu proponho Os Lusíadas.
– Só se tirar a Inês e a Ilha dos Amores. Camões erotiza a juventude.
– Foco, colegas! Foco! – implorou a diretora, incomodada com aquela bagunça que, no curso de liderança, chamaram de “gestão participativa”. Começava a se arrepender de ser uma líder tão democrática. – Precisamos incentivar a leitura. Ponto. Mas já vi que concordamos que seja feito sem colocar muita ideia na cabeça das crianças. Menino, quando pensa, é mesmo o diabo.
– Então, tenho um bom! Que tal O pequeno príncipe? Se a Miss Universo leu...
– Está louca?! – exasperou-se o professor liberal. – Apologia à monarquia, no século XXI?!
– Já sei! – Iluminou-se uma casta professorinha, que rezava o pai-nosso com as crianças, todo dia, antes, depois e no intervalo da aula. – Vamos comprar bíblias! Não tem como falhar. Prateleiras repletas só do bom e milenar verbo cristão.
– Sei não. Essa coisa de amar todo o mundo... Pode terminar em orgia no recreio.
– Muito bem, colegas – retomou a diretora. – Já vi que todos parecemos concordar numa coisa: precisamos de uma arte inofensiva. Algo para intervir na educação dos nossos jovens, sem criar crises ou dissidências – postulou a democrática gestora. – Uma obra que faça a gente pensar como um só. Sem questionamentos. Sem discordâncias. Uma só voz. Um só pensamento. A verdade sem nenhuma dúvida. Sem a agressividade da crítica ou o poder subversivo e corrosivo dessa arte corruptora dos cidadãos de bem.
Chegaram, afinal, a um consenso. Encerraram a reunião. As mãos se apertaram pela decisão de elevado senso moral. Lavraram a ata. E correram para casa, que era o último capítulo da novela.
A diretora respirou, aliviada. Encomendou os despachos. E dormiu tranquila. Já sabia o que fazer com a estante vazia da biblioteca.
No dia seguinte, comprou uma televisão.

domingo, 4 de março de 2018

A MUSA CORRUPTA - Urânia

Inspiradora das artes da Astronomia, Urânia (a que se volta para Urano, o Céu) favorece os que operam com a matemática e, por metonímia, preside a atividade científica. A iconografia costuma representá-la trazendo um globo terrestre à mão.

quinta-feira, 1 de março de 2018

JESUS, SALVADOR DE TODOS


Se Jesus, como santamente pregam os bons cristãos da bancada da bala, é a favor do armamento do cidadão de bem, precisamos concordar que ele também justifica a profissão do assaltante. Está lá no Mateus: “Pedi e vos será dado”.
Por essa lógica, não vai muito, e vamos ter que aceitar um pedófilo usando a Bíblia em tribunal, para citar um “vinde a mim as criancinhas”. Coisa de doente.
Mas é compreensível. Afinal, na sua infinita bondade, o generoso Jesus empresta palavra pra todo mundo. Até pros agentes da oposição. E em especial aos pobres de espírito, porque deles é o reino dos céus e as páginas das redes sociais.
Pensando nesses mansos herdeiros da terra, deixo, aqui, sugestões para uso geral e irrestrito. Afinal, parece que Jesus abriu as porteiras da Bíblia e cada um pode escrever o evangelho que lhe convém.
Você gosta de uma manguaça? Deus te protege. Beba álcool sem moderação. Jesus não só transforma água em vinho. Se vivesse na Rússia, no Tennessee ou em Salinas, ia fabricar vodca, uísque e cachaça. Afinal, disse o Senhor: “Não só de pão vive o homem.”
Por aval médico de Jesus, também está liberada a ingestão indiscriminada de açúcar e gordura saturada, pois disse o Senhor: “Não é o que entra pela boca que torna o homem impuro”. (Aleluia! Santo! Santo! Santo! Hosana nas alturas!)
Os que temem o Ibama, argumentem que Jesus incentiva a caça predatória. “Olhai as aves do céu”, conclamou o filho de Davi.
Aliás, o Salvador oferece também uma boa epígrafe para o Código Florestal Brasileiro: “Toda árvore que não produz bom fruto é cortada e lançada ao fogo”. Os cândidos cristãos do agronegócio só leram o evangelho até aí.
Metáforas botânicas dão ainda boa desculpa para os preguiçosos: “Aprendei dos lírios do campo, como crescem, e não trabalham”. Grande ideia para os santinhos, na próxima campanha eleitoral. Porque – pasmem! – Jesus também ama os políticos. “Não resistais ao homem mau”, bradou o Cordeiro de Deus, apadrinhando Brasília e mandando deixar o Temer sossegado.
Jesus abençoa, ainda, outras profissões. Por exemplo, atendentes de hospital e postinho, que não sabem o que fazer com a fila de lázaros acampados. É só imitar o Braço de Deus e gritar, do alto de um banquinho (se não tiver montanha): “Meus irmãos, ouvi o que Jesus manda: ‘Levanta-te, toma tua cama e vai para casa’.”
Jesus ascensorista de elevador: “Os últimos serão os primeiros, e os primeiros serão os últimos”.
Aos incrédulos, é preciso também dizer que Jesus aprova o telemarketing: “Amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem.”
Outro versículo dos bons: “É necessário que haja escândalos, mas ai do homem pelo qual o escândalo vem”, proclamou Jesus (ou os cristãos da imprensa, não sei ao certo).
Vai ajudar, em ano de eleições, saber que o Leão da Tribo de Judá também declarou: “Onde está o teu tesouro, aí estará também o teu coração.” Como se vê, Jesus era capitalista. E comunista.
Finalmente, quem acha que Jesus é contra o sexo, não leu direito ou não entendeu a Palavra. Dá pra notar que o Filho do Homem é, pelo menos, a favor do vibrador para o sexo solitário – “Bem-aventurados os aflitos, porque serão consolados” – e do troca-troca: “Tudo o que quereis que os homens vos façam, fazei-o vós a eles”.
E, se alguém não gostou de alguma coisa nestas linhas – afinal, nem tudo é pérola e nem todos são porcos –, vai aí a prova definitiva de que o Cristo não admite gente que conteste opiniões dos outros e, por isso, é o grande padroeiro dos “intelectuais” de Facebook e WhatsApp: “Não tentarás ao Senhor teu Deus”, ameaça o Messias.
Mas... difícil dizer amém, né?

RINGUE ELEITORAL

Um amigo confessou-me certo “cansaço eleitoreiro”. Disse que não aguenta mais escolher candidato como quem vai ao supermercado. – Parece...